quarta-feira, 28 de maio de 2014

MARSELHA – PORTA PARA O MEDITERRÂNEO

Nas bordas da suave Provence, região administrativa da Provence-Alpes-Côte D’azur, terminam os campos de lavanda e começam a soprar com mais vigor os ventos do Mediterrâneo. Foi assim que me deparei com Marseille (ou Marselha).
Foi como sair de um cenário de pedras ajustadas e campos floridos, com cara eterna de domingo, e adentrar em outra paisagem. Como sair de um portal mágico para alcançar outra realidade, também incrível. Como ver o rumo da viagem fazer a curva e se tornar uma nova viagem.
Povoada pelos gregos no século VII a.C e tendo passado pelo domínio dos romanos cerca de 49 a.C, foi tomada pelos francos após o Século V, depois do colapso do Império Romano. É a cidade mais velha da França e a segunda mais populosa, depois de Paris. Dona de um clima tão antigo quanto a sua história, somado ao mar azul turquesa que a contorna, Marseille é única. A arquitetura de casas enfileiradas forma um corredor quase simétrico de tons pastéis, que se afunila conforme tomamos distância, antes de dobrarmos qualquer uma de suas esquinas.
Ruas estreitas de Marseille
Afunilando a paisagem
Marseille e seus tons pasteís
Marseille
Marseille e seu centro velho
A cidade, por si só, não causa tanto impacto. Há de se procurar a sua beleza em seus detalhes. Mas em um minuto a nuvem se dissipa e você a encontra, tão logo avista o mar. Sim, o mar é que dá o tom. E o contraste se torna harmonia. Sendo assustadoramente antiga e grande, a cidade causa estranheza para quem acabou de sair dos campos de lavanda. Mas seus atrativos somados dão um belo dia ensolarado. Ou uma noite diferente.
Marseille - a cidade velha
Alinhamento
Marseille à noite
O Vieux-Port e sua margem recontam com suas imagens a história que não conhecemos profundamente. A cidadela datada de sua fundação estende-se em suas cercanias. Ali se concentram grandes monumentos, como o Forte Saint-Nicolas, o Forte Saint-Jean e o Palácio do Pharo. É possível gastar um bom tempo em seus restaurantes animados, além da possibilidade dos passeios de barco.
Vieux-Port
Porto antigo
Porto de Marseille
Barcos enfileirados no Porto de Marseille
Barcos partindo e chegando não deixam rastros no mar do que já ficou indelével em sua história. Importante rota de comércio, Marseille também foi foco da peste negra em 1348 por sua condição de porto, e mais da metade de sua população foi dizimada. Foi também o principal porto militar do Mediterrâneo, tendo sido bombardeada durante a II Guerra. O movimento de turistas em seu entorno é intenso, mas não tira o seu charme.
O cenário é tão bonito que parece clichê. Mas não é. Não em Marseille. O contato súbito com o Mediterrâneo causa impacto, principalmente diante da imponência do War Memorial, monumento com uma fenda que nos faz parecer estarmos sendo recebidos diante de toda a grandeza do Mediterrâneo que se agiganta à nossa frente.


Portas abertas ao Mediterrâneo
A vista do Chateau D’If pairando no azul que se estende vale a visita. Quem já leu Alexandre Dumas deve conhecer a história de “O Conde de Monte Cristo”. Particularmente, causou grande fascínio em minha adolescência. O castelo é o cenário onde os heróis do romance vivem suas tramas. Mas sua fama é anterior e vem desde o Rei François I, que ordenou a fortificação da cidade, em 1524.

Chateau D'If
Marseille dá muito valor à história, levando-se em conta sua riqueza cultural disposta em muitos museus, como o Palácio Longchamp, que não tive tempo de visitar. Foquei minha visita à sua condição de entreposto comercial de antigamente.
      Extrapolando as belezas de sua nada generosa natureza, Marseille tem o seu lado antigo muito aflorado em seu velho eixo. Grande e confusa para dirigir, com ruas muito estreitas, na cidade velha ficam os monumentos mais antigos, próximos também do Vieux-Port. Assim como o Mercado de Peixes, que também se concentra nos arredores. Acabamos deixando o carro no Hotel e cedemos ao trenzinho turístico, que tomamos no porto, para nos levar até a Basílica Notre-Dame de La Garde, símbolo da cidade e situada em uma colina.
Caminhos em seu entorno
Escadarias da Basílica
Basílica
A basílica atual, em estilo romano bizantino, foi concluída em 1864. Mas é de sua esplanada que a visita a Marseille ganha as devidas proporções. O visual é tão bonito e intensamente azul, que a identidade com a velha Marseille nos faz mergulhar em sua essência complexa. Do alto de seus despenhadeiros, revela-se uma cidade não imaginada.
Do alto da Basílica - vista impactante
Vista do Velho Porto
Tudo o que fizemos depois disso foi descer a colina, passear pelas suas ruas sem um compromisso certeiro, molhar os pés em suas águas frias, essas coisas de transeuntes e passageiros, turistas de um verão qualquer...
Plage des Catalans
Mediterrâneo
Nas bordas do Mediterrâneo
Dia de sol
Sua intensa relação com o mar e sua rotina de povos chegando e partindo, coroa-nos como meros espectadores. Sem fazer volume e com nenhuma relação com seu legado, ficamos ao acaso, sem rastros. Em via sem retorno, Marseille me marcou profundamente, como o lugar em que os ventos da Provence ganharam uma cor que não previ além da púrpura. E sopram até hoje em cores no pensamento, marcando o meu batismo naquelas águas Mediterrâneas.

domingo, 18 de maio de 2014

BRUGES – CENÁRIO DE TRANQUILIDADE

Gosto de me perder nas ruas e praças das pequenas cidades europeias, dessas carregadas de história e romantismo. Mas logo na entrada, quando avistei os frontões em degraus de cores ocres e tristonhas de suas casas ladeadas, tão marrons quanto cenários de guerra, entendi que o meu dia em Bruges, na Bélgica, seria mais do que uma viagem. 
Bruges
Frontões das casas de Bruges
Bruges (ou Brugge), província da região dos Flandres a 100Km de Bruxelas, envolve-nos com sua atmosfera e seu conjunto inigualável de casas e sombras entre suas ruas estreitas. Quando você pensa que é tudo, então se lembra de que ainda há os canais. Mas guerra, que nada! Bruges é terra de paz, apesar do turismo intenso. É terra de cervejas artesanais e chocolates. Passar um dia por lá é se permitir um dia tranquilo.


Bruges em sua tranquilidade
Linda Bruges
Remontam aos tempos de Júlio César as suas primeiras construções e fortificações para proteção contra os piratas. Alguns séculos mais tarde, quando os Vikings a invadiram, suas fortificações tiveram de ser reforçadas. Bruges viveu seu esplendor com a indústria têxtil de lã no século XII. Nessa época, mantinha contato comercial com a Inglaterra e Escandinávia, além de outras cidades europeias. Porém, o canal Zwin, que a conectava com o mar, estagnou devido à obstrução por lodo, o que a deixou às escuras na história por um tempo. Agora os turistas já sabem o caminho.
Bruges se apresenta sombria, mas se abre aos poucos com suas ruas voltadas ao turismo, repleta de lojas, principalmente com os tradicionais e deliciosos chocolates, pralines e cervejas artesanais. E ninguém acha ruim por isso. Nada de dizer que perdeu a originalidade, que é voltada demais para o turismo, coisa e tal. Bruges encanta de qualquer jeito. Não tem como não se render.
A grande praça
Ares de antigamente
A Madonna com o menino, de Michelangelo, está como obra máxima, mas tímida em um canto, na Igreja Onze Lieve Vrouwekerk. O filme “Caçadores de Obras-Primas", de 2014, retrata o resgate da obra das mãos do nazistas, que a haviam levado.
Madonna e o Menino, de Michelangelo
Grote Markt, sua praça principal e uma das mais encantadoras da Europa, é mesmo como cenário de filme, mas desses filmes de contos de fadas. O campanário do século XIII, Torre Belfort, impõe-se diante dos demais edifícios e do tribunal neogótico que a circundam, mas que também impressionam. É possível subir os 366 degraus que levam ao topo. De quebra, uma vista incrível lá do alto e a possibilidade de ser surpreendido com as badaladas do sino em seus ouvidos. Os restaurantes que fazem a praça ganhar vida são bastante atraentes. Claro que existem excelentes opções fora dos muros da cidade velha, mas afinal...
Grote Markt - tribunal neogótico
Torre Belfort
Grote Markt
Grote Markt
Vista da praça do alto da Torre
Caminhar ao lado do canal Dijver é um convite tentador. O melhor, no entanto, é fazer o passeio pelos canais. Uma das mais belas vistas da cidade, e de onde também se apanha o barco (pois há outros pontos de saída), é em Quai of the Rosary. O trajeto leva ao Lago do Amor e passa por baixo das pontes muito baixas. 
Canais de Bruges
Passeio pelos canais
Há muitos museus em Bruges, há várias igrejas, como a Basílica do Sangue Sagrado, que dizem conter uma relíquia com o sangue de Jesus, e há muito mais o que se fazer além do que nos permitimos. A nós nos encantou e bastou andar calmamente por suas ruas tranquilas e, só assim, poder senti-la. 
Town Hall
Burg Square
Corte Provincial
À medida que a noite chegava, as ruas foram ficando desertas, e Bruges foi ficando mais íntima, mais nossa do que dos outros turistas. As portas, as chocolaterias, as cervejarias, todas iam se escondendo do frio que se avolumava em suas esquinas. Fim de festa. Silêncio após a evasão dos turistas. A cidade voltando à sua normalidade.
O cenário de guerra nada teve a ver com ela, a não ser o fato de ter sido utilizada pelas tropas alemãs para atracar os seus submarinos durante a I Guerra, além da Madonna resgatada dos nazistas. Na verdade, suas construções só vieram de encontro a um estereótipo que martela em nossas ideias, construído por Hollywood, e que se dissipou ao longo do meu dia.
Depois de tanto caminhar por suas estreitas ruas, entendemos que não captamos o momento exato no qual Bruges se transformou em nossas concepções. De cidade marrom e triste, Bruges se esvazia. Em seus detalhes, ela nos enche de esperança, de romantismo e se torna parte de nossa própria história. Mais do que isso, torna-se uma tarde florida, uma lembrança tempestiva, um dia para se reviver.

Bruges - fim de tarde
Naquela noite, saímos com a sensação de que nem mesmo o frio que machucava nossos rostos descobertos e nossas mãos ávidas por fotos de muitos ângulos puderam sustentar em nós a ideia de cidade fria. Passar pela Bélgica e negligenciar Bruges é perder a cereja do bolo para o menino mais chato da festa.