terça-feira, 18 de junho de 2013

VALLE NEVADO FORA DA TEMPORADA

     Ir a Santiago e não dar uma "passadinha" no Valle Nevado seria como ir a NY e não subir no Empire State, ou a Paris e ignorar a Torre Eiffel. Sacrilégios desse tipo não se comentem em viagens, mesmo tendo pavor das curvas mais do que fechadas que se enfrentaria montanha acima.
     Geralmente aberto para a temporada de Ski no mês de Junho, o complexo do Resort conta com alguns Hotéis para receber aqueles que desejam ficar alguns dias, ou apenas uma bela estrutura para aqueles que vêm passar um dia todo apenas. Este foi o nosso caso nas duas vezes que nos aventuramos a subir.
     Quando se vê que a distância do Valle Nevado é de apenas 65 Km desde Santiago, imagina-se uma estrada linda e repleta de paisagens e com algumas surpresas pela frentre. É difícil traduzir a emoção de estar subindo pela primeira vez a Cordilheira dos Andes. As surpresas eram maiores e de maior amplitude do que a nossa imaginação ousou supor.
Subindo a Cordilheira dos Andes

     Na primeira vez, subimos com o carro que havíamos alugado em Santiago, mas não precisamos colocar as correntes nos pneus porque ainda não havia neve na estrada. Há um certo ponto do caminho onde se nota que o Rio Mapocho, correndo tão tranquilo pelas laterais, some do alcance de nossa vista. E as curvas de repente tomam uma dimensão de inclinação e ângulo assustadores para quem não conhece a estrada e não faz a menor ideia do que esperar pela frente. O consolo é que muitos fazem isso, portanto, a chance de dar certo é bem grande...

Caminho para o Valle Nevado
     As curvas, numeradas, são intensas até a de número 40. Depois, pelo Caminho Farellones, a estação de Ski mais antiga das redondezas, chega-se a um ponto mais tranquilo que leva até os 3 mil metros de altitude do Valle Nevado. Os ciclistas serpenteando pelo caminho são mais um sinal de que é bem provável que tudo ficará bem, mesmo que se esteja em pânico! Fora isso, a vista lá do alto e a satisfação de se estar embrenhando em uma aventura tão diferente, apagam qualquer fagulha de medo. Para cima é que se vai.
      O Valle Nevado é lindo. Mesmo que se chegue pela primeira vez, como nós, e não se tenha a mínima ideia do que se tenha ido fazer lá em cima, pois a neve ainda não havia dado as caras. Inóspito lugar, com as plantas que não vingam, com as cores que não colorem nada, a não ser a solidão daquelas plagas. Mas o frio congela e machuca os desavisados. E até isso tem graça para quem vive no Brasil.
Valle Nevado sem neve
Valle Nevado Resort
       Aberta em 1988, a estação de Ski está entre as mais modernas da América do Sul, com capacidade até para gerar neve caso a temporada não seja solidária com os turistas. Principiantes, crianças e experientes podem se aventurar por lá, pois tudo é muito bem preparado para o turismo. O restaurante, encravado no meio da montanha, é um espetáculo. E além disso, eles têm planos de se tornarem o "Povoado da Montanha" até 2022, com uma pequena vila lá em cima.
       Mas voltamos para o Hotel sem ter tido a chance de tocar a neve...
     Duas noites depois, nevou a noite inteira, sendo a primeira nevada da temporada de 2013. Quando o dia amanheceu e notamos a Cordilheira coberta de branco, entendemos que erramos o dia de subir. Mesmo acompanhando os boletins de neve, teríamos que devolver o carro na data combinada e não teria mesmo dado certo. Pois bem, o tempo fechou, mas não para nós. Ir embora do Chile sem tocar a neve, eu não iria de jeito nenhum.
     Contratamos o ônibus de turismo e fomos nós mais uma vez para a viagem de 65km que dura cerca de 2 horas, desta vez com um motorista experiente e que sobe a montanha no mínimo duas vezes ao dia. Ao nos aproximarmos do Valle, as cores estavam diferentes. Mas foi quando vimos pela primeira vez as encostas branquinhas que a alegria nos contagiou feito crianças. Finalmente...

3 mil metros de altitude

Sutileza da neve

Aproveitando o momento com as crianças

Valle Nevado e a sua magnitude
Caminhos sinuosos

Valle Nevado

      Apenas três dias depois e o Valle estava branquinho. Ficamos como crianças perdidos no mar de brancura que se perdia de vista. As crianças rolando, encharcando-se, queimando a mão, sentindo a textura da neve. E nós, maravilhados diante do que a natureza é capaz de fazer em tão pouco tempo. O que se parecia com um deserto, mesmo branco, ficou repleto de vida. O chão, outrora endurecido, estava fofo. Brincamos, rolamos, fizemos guerra de bola de neve, voltamos a ser crianças por aquelas horas de imensidão.
     Perdidos na montanha, sem vontade de regresso, passamos as melhores horas de todas as horas e dias que vivemos no Chile, quiçá grandiosas horas entre tantas viagens. E vão ficar perdidas nos vãos, nos vales daquelas montanhas: a solidez do que não dura, a água que escorre e não volta para a sua origem, a sordidez do que cai mas se levanta, a integridade dos sonhos que viram gelo, das pedras que viram água, das lembranças que não derretem. Mesmo sem pista de ski que nos recebesse, fizemos do nosso dia um grande dia...
Dia incrível

Família feliz no Chile

Congelando...
     Ficará dentro de nós um eco que sempre vai retumbar: vozes perdidas no vale, os sons de nossas crianças correndo ao lado das crianças que também havia dentro de nós. E ficam as nossas sombras no mais intenso dos ocos dos vales, nevados ou não, pois o que importa é termos sido felizes.

No mesmo lugar que na foto lá em cima... mas com neve... 3 dias depois

sábado, 15 de junho de 2013

SANTIAGO, CHILE

      Santiago é a alma de um país vibrante, com muitos contrastes. Uma alma bem moderninha, que não deixa o seu passado esmorecer. São tantas as afinidades entre o velho e o novo, que chega a ser curioso ver o mix de arquiteturas.
      Como em toda grande cidade que cresceu às luzes da colonização, o Centro velho é uma lembrança do passado que ecoa nos ouvidos, como se estivesse a aguçar nossos sentidos para a história, que não pode ser passada para trás tão simplesmente. E a história de Santiago é uma vertente com seu cunho próprio e peculiar das histórias que tanto ouvimos na América do Sul: de como fomos dominados e explorados pelos Ibéricos conquistadores. No caso, Pedro de Valdívia, em 1541, foi quem conquistou o Chile e estabeleceu o principal assentamento (hoje Santiago) ao lado do Rio Mapocho e entre a Cordilheira dos Andes, estrategicamente.
Catedral e arquitetura moderna na Plaza de Armas

Correo Central na Plaza de Armas

Plaza de Armas

       Muitas lembranças desta história estão vivas nas esquinas de Santiago. O seu Centro é muito pequeno e fácil de ser explorado. Na Plaza de Armas, as atrações estão ao alcance de um quadrante, assim como os prédios do Correo Central - antiga residência de Valdívia - , a Catedral e o Monumento a Los Pueblos Indigenas. A Plaza, em si, é bastante cheia de turistas e demais sul-americanos. A pé, chega-se facilmente ao Mercado Central, onde se pode comer muitíssimo bem frutos do mar, mas com o cuidado de recusar as insanas tentativas dos garçons de trazê-los para dentro de seus restaurantes. Para quem esteve no Mercado da Seda na China, isso foi nada...

Mercado Central

Centolla - caranguejo gigante

Pisco no El Galeon, Mercado Central
       Além disso, o Centro oferece vistas do Palácio de la Moneda - a sede da Presidência chilena - passeios agradáveis pelas ruas de compras e a vista de prédios memoráveis em muitas esquinas. Hospedar-se no Centro pode ser uma boa quando se quer estar ao alcance de tudo. Porém, há um detalhe: estacionamento é bem complicado e jantar por ali não é uma boa pedida. As opções são poucas, dependendo da hora. 
        Santiago oferece outros passeios imperdíveis, como a visita ao Cerro Santa Lucia e ao Cerro San Cristóbal, de onde se pode ter uma magnífica vista da cidade e de seus prédios despontando no horizonte, em uma competição visual de suntuosidade com a Cordilheira ao fundo. No meio do caminho do funicular de San Cristóbal, é possível estender algumas horas no zoo construído ao pé da montanha e que traz uma tranquilidade da agitação urbana, principalmente para quem viaja com crianças. Descendo o Cerro San Cristóbal, está uma das casas de Neruda - La Chascona - e o bairro Bellavista, o mais boêmio de todos, onde ficam restaurantes charmosos e o Pateo Bellavista, com lojinhas e barzinhos: um belo passeio para recarregar as energias.
Vista do Zoo à cidade

Llhama no zoo do Cerro

Cordilheira ao fundo

La Chascona - Neruda

Bellavista
        Com o desenvolvimento econômico do Chile na década de 1990, a cidade ganhou novos ares: Providencia, Vitacura e Las Condes são hoje bairros comerciais e residencias mais modernos, com largas avenidas e com a cara da riqueza... Shoppings bem arrumados e arranha-céus convencem-nos de que Santiago é um local muito agradável de se explorar não somente como aventureiro. É bem possível que você saia do Chile mais impressionado do que esperava estar quando chegou.
          Saindo um pouco de Santiago, mas ainda em seu entorno, é possível apreciar os prazeres do vinho nas visitas às vinícolas famosas, como Concha y Toro, Undurraga, Santa Rita e muitas outras, onde se pode saborear vinhos com a uva de origem francesa, mas que se adaptou quase que exclusivamente ao clima da região chilena: Carménère.

Concha y Toro

Concha y Toro
        Santiago é um contraste entre várias situações: o passado e o presente se misturam e convivem numa boa. Um é parte do outro. A natureza e a complexidade de uma metrópole com alma inca se interceptam aos pés das Cordilheiras dos Andes, ou onde quer que nossos olhos alcancem.
       Quando a neblina assenta ao mais leve respingar da chuva, quando a neve escorrega pelas encostas branquinhas e imponentes daquelas montanhas, vê-se mais claramente o que todos sabem: o homem pode usar de seus recursos, tentar mudar seu curso, mas quando ergue os olhos e vê o tamanho da encrenca intransponível bem ali na sua frente, ele até tenta...mas é impossível não estar consciente de que deve haver um limite. Ainda bem que para nós, turistas, nosso limite está apenas ao alcance das fotografias. E Santiago rende muitas delas, muitas histórias, muito respeito pela natureza. Quanto mais ela imponente se anuncia, mas impotente o homem se denuncia.
Vista do Cerro San Cristóbal

Vista aérea da Cordilheira dos Andes
          Ao regressar para casa, sobrevoando a fantástica Cordilheira dos Andes, o silêncio se fez gigante  diante da vastidão das montanhas que ousamos cruzar. Naquele momento entendi que sim, somos infinitamente menores. Voltando então à realidade da metrópole, Santiago estava de ótimo tamanho para os meus sonhos.

domingo, 9 de junho de 2013

O CHILE E SUAS CORES

         Nunca antes uma paisagem tão cinza e opaca como a impregnada nas montanhas áridas das curvas chilenas havia me arrebatado assim. Algumas vezes já me senti intimidada frente a imponentes paisagens, como diante da Muralha da China, ou diante de uma savana africana, mas as cores do Chile imprimiram um tom de respeito em tudo o que eu já havia ousado imaginar sobre ele.

Subindo ao Valle Nevado pela primeira vez

Na estrada rumo à Argentina

Caminhos íngremes

Surpresas do caminho
          Tão vasta é a possibilidade de se encontrar com diferentes países em um só, que é necessário limitar-se em um primeira viagem a um ponto determinado e explorá-lo muito bem, principalmente quando não se tem muito tempo e se tem três crianças na "bagagem". Por ser a primeira vez no Chile, prendi-me ao óbvio: Santiago, arredores, Valle Nevado, Valparaíso, Viña del Mar, vinícolas, e a tentativa de chegar a Paradas Caracoles. E digo que foi o suficiente para sair surpresa e satisfeita de lá. Logicamente, com planos de retornar para os "extras" imperdíveis do Chile - o Atacama, o Sul ou a Patagônia dariam mais umas três viagens, pelas minhas contas... Mas pelo tanto que gostei de lá, creio que as contas podem não parar por aí.

Viña del Mar

Valparaíso

Viña del Mar
        O frio estava se acentuando a cada dia e as montanhas da Cordilheira dos Andes, suntuosos limites aos nossos olhos, estavam prestes a serem cobertas cada vez mais de branco. Durante todos os dias em que ali estive, não me cansei de encarar os picos nevados e tentar, sem sucesso, absorver os mistérios de uma natureza e de uma realidade que não me pertencem.
       Depois de uma noite nevando na Cordilheira, os picos amanheceram ainda mais branquinhos. Foi como um presente vindo dos céus para quem estava muito a fim de ter esse vislumbre.
        Bonito de ver e ao mesmo tempo tão simples foi o estreito Rio Mapucho escorrendo tímido pela Cordilheira, em seu silêncio sagaz, como a não se delatar para não ter que pedir passagem. São retratos de um Chile que se explora nas entrelinhas.

Rio Mapucho no meio do caminho para o Valle Nevado
Grande Torre Santiago, o Ed. mais alto da América do Sul e a Cordilheira

Contraste entre a natureza (Cerro San Cristobal) e a modernidade
             O respeito à natureza é um constante lembrete todas as vezes que erguemos os olhos para o horizonte, seja em Santiago, seja na estrada rumo à Argentina, seja nas curvas íngremes do Valle Nevado. E nos lembramos o quão pequenos somos diante de tudo aquilo. Mas mesmo sabendo-nos pequenos, em um lapso de inconsciência, pensamos ser grandes e aventureiros por desbravar aqueles caminhos íngremes e cheios de curvas fechadas das estradas que nos levam ao alto, tal qual incas dos tempos modernos. Subindo rumo ao Valle Nevado, a estrada repleta de ciclistas nos traz de volta à realidade de meros turistas... Aventureiros são eles! O ar rarefeito, a alegria de chegar, o encantamento com a possibilidade da neve pela primeira vez, a falta de intimidade com ela... tudo isso faz parte da magia do Chile. E isso mexe com todos os sentidos.

Neve pelas encontas

Valle Nevado

Valle Nevado

           Exploradores ou não, a possibilidade de regressar a Santiago no fim da tarde e viver uma vida moderninha de turista em seus Shoppings bacanas, em seus bairros mais novos, tira-nos da onda de desbravadores e nos devolve à realidade, que de uma certa forma nos aquece. Imperdível é também explorar Santiago, que preserva sua história em seu Centro facílimo de explorar a pé, tem boa gastronomia e muita paisagem, em um contraste finito entre os arranha-céus modernos e a Cordilheira dos Andes, entre o antigo e o novo.

Mercado Central

Plaza de Armas, contrates

             Ah sim... as cores do Chile, impressas em minha alma para além de todos os sentidos, não serão cinzas, nem brancas, nem áridas como as que vi desenharem-se ao meu redor. Serão para sempre matizes de infinitas possibilidades, de um sentimento, de um êxtase que não tem limites.