quarta-feira, 30 de outubro de 2013

ABADIE DE SENANQUE E OS CAMPOS DE LAVANDA

        Em busca dos campos de lavanda, pusemos-nos na estrada. O caminho nos levaria até eles, nas cercanias de um velho mosteiro. Isso já era o bastante para que uma sensação de liberdade me invadisse. Pela rude simplicidade imposta aos monges cistercienses ao longo da história, pude imaginar a austeridade do próximo destino: Abadie de Senanque. Uma sobriedade adornada pela natureza.
       Entre as curvas do Luberón escarpado, no coração da Provence, o mosteiro é um refúgio escondido no vale próximo a Gordes, cerca de 6Km que parecem infinitos de tão estreitos. Os ciclistas do Tour de France parecem estar fazendo seu aquecimento por ali, tantas são as bicicletas se aventurando pela região.
Estrada para Senanque
         Por mais que se tenha lido a respeito, o caminho até Senanque não deixa de ser uma apreensão deliciosa, pelo fato de não se estar certo se será ou não possível avistar e tocar os famosos campos de lavanda.
         Do alto da estrada sinuosa, vagarosa e minúscula, avista-se a tão desejada cena lilás. Um quadrante exuberante e demarcado em meio ao verde que se agiganta. Senanque estava tão próxima dos olhos, mas tão vulnerável aos nossos pensamentos quanto o silêncio ameaçado de seus monges, habituados ao imediatismo dos turistas que se avolumam entre os meses de verão.
Campos de lavanda
           O contraste é o que justamente nos aproxima de Senanque. A ordem cisterciense na Europa, com origens no século XII, impôs estilo de vida, arte e arquitetura que rompiam com adornos e rebuscamentos. Como seria possível uma vida sem floreios se os campos de lavanda dominam e colorem seu entorno? Como, se as lavandas envolvem todos os nossos sentidos?
Abadia Cisterciense de Senanque
Campos de lavanda ao seu redor
    Eu estava mais errada do que certa. A pobreza imposta ao estilo de vida dos mosteiros nem de longe tiraria a riqueza de seu entorno, por mais que se tente disfarçar. A falta de torres imponentes e a fachada não sobressalente da abadia ficaram no imaginário de eras medievais. Por mais que tudo permaneça igual, nada é como antigamente. 
Produtos da Provence
Produtos de lavanda
    Fundada em 1148, a abadia ainda permanece em funcionamento e visitas guiadas são organizadas para que seus claustros sejam percorridos. No exterior, o maior contato que se estabelece com alguém de lá acontece na lojinha que vende artigos feitos de lavanda e demais maravilhas provençais. As pedras ocres situam-se na transição entre o estilo românico e o início do gótico. Seus muros, típicos de mosteiros desta ordem religiosa, são uma referência a Jerusalém Celestial descrita no Apocalipse. Mas, pelo que se abstrai, o isolamento e a clausura dos monges estão mais longe das suas pretensões e mais próximos da balbúrdia de turistas curiosos. De fato, é o contraste que nos move.
Outros ângulos de Senanque
Lavandas
      Mas o que nos arrebata em Senanque não é sua história nem sua arte, que remontam às origens e disseminação dos cistercienses pelo mundo. Sobre isso, poucos que passam por lá sabem e talvez nem queiram compreender. O que arrebata em Senanque é a sua pintura, vista assim, à primeira vista: o contraste do nude com os campos de lavanda arroxeados, em fileiras retilíneas, dançando ao som do vento.
     Sua música em meio ao silêncio, sua sutileza entre os dedos, o seu perfume impregnando um aroma inolvidável em nossas narinas, são as chaves irresistíveis de uma viagem que nos faz querer mergulhar na imensidão lilás e ficar sempre um pouco mais... Andar entre as trilhas, por entre os espaços vagos lado a lado das carreiras coloridas de lavanda, é uma aventura delicada: a síntese de se estar na Provence.


Lavandas
         Nada disso faz-nos ater para o fato de que somente na Provence se tem a lavanda pura e verdadeira, ou que todas as outras formas que podemos encontrar por aí são “lavandin”. Somente na Provence se tem a combinação perfeita para que a verdadeira lavanda se desenvolva. Embora estejamos à sua busca, olhar os mares impressionantes de arbustos equidistantes bastam para uma vida, muito mais do que qualquer informação que possa preencher nossas lacunas.
         Sua púrpura delicadeza enche de ambivalência a atmosfera. Naquele ponto da viagem pude captar a essência e a distância entre uma vida rotineira e enclausurada em suas próprias concepções de mundo, e a vida dos que chegam, sentam, ficam, passam... e fotografam, fotografam... carregando depois um ramo cheiroso como troféu na volta de suas férias. Florir a vida é o que vale.
Também sinto, muitas vezes, os turistas como seres enclausurados, por que não? Enclausurados em suas pequenas concepções e certezas que constroem com adornos, sei lá de que cores, sobre qualquer lugar depois de uma passagem fugaz. Ou não. Livres, talvez... Eu os sinto mais livres do que presos. Muito livres para imaginar, viver, explorar qualquer canteiro, qualquer quintal, qualquer campo maior de sonhos o ano inteiro, a vida inteira, não importa a estação.
           Afinal, a vida acontece aqui fora. Com ou sem perfume de lavanda.
      O mosteiro ficou para trás, plantado aos pés dos campos cor de púrpura, e retomamos a nossa estrada.

domingo, 29 de setembro de 2013

GORDES - PINTURA FRANCESA EMOLDURADA PELA PROVENCE

           Cruzando os caminhos sensoriais da Provence foi que subitamente avistei a imagem que havia chamado a minha atenção enquanto planejava o roteiro, ainda no Brasil. Dentre suas rotas cênicas, havia muitas opções, mas a estarrecedora imagem de Gordes foi contornando meus sentidos e me envolveu de tal forma que, esses mesmos sentidos, haveriam de me levar até lá. Eu faria todos os caminhos para alcançá-la. E foi ao fazer a curva da estrada sinuosa que nos levava às suas proximidades que a vislumbrei esculpida na montanha.
A imagem de Gordes vista das curvas da estrada
       Foi como ver uma pintura emoldurada pelo romantismo da Provence, delicadamente desenhada no Departamento Francês de Vaucluse, no maciço de Louberon (integrando o Parque Natural Regional do Luberon). Um misto de opacidade com traços finos de verde e pinceladas de céu claro. Particulares impressões de luz e movimento sem nitidez demarcada. Um quadro dinâmico que havia estado estático por meses em minha concepção de seus contornos. E tudo ganhou vida e forma ao ávido mover de nossos passos. Foi quando vi que a realidade é mais interessante que os sonhos, às vezes. Raríssimas vezes, mais intensa que a arte.
Gordes foi parecendo mais real à medida que nos aproximávamos. Suas pedras brancas e secas posicionadas despenhadeiro abaixo davam forma às casas sobrepostas, dando fôlego à ideia de embrenhar-me em uma França rural. As estradas secundárias é que levam a uma verdadeira experiência francesa. Bisbilhotar seu modo de vida íntimo e peculiar seria quase invasivo, não fosse pela frequência com que os turistas se habituaram a fazê-lo.
Estrada que levava à Gordes e as casas de pedras secas
            A paisagem mudava de figura. As peças mudavam de lugar. Paris já estava distante. Tão distante quanto o sonoro TGV, o trem que nos conduziu até Avignon, mas que por ali não se aventura. Desde Avignon, foram cerca de 40Km apenas. Estávamos na Região administrativa Provence-Alpes-Côte-D’Azur. E eu nunca pude compreender de fato o que classificaria tudo aquilo melhor do que as minhas impressões pessoais. O interior da França em sua melhor escultura. Uma França que se desenhou de diferentes formas, mas que naquela colina encontrou seu ápice em minha memória.
            Seria ainda necessário lapidar o que vimos. Desconstruir conceitos. Ganhar a nossa impressão de Provence e das curvas do vilarejo. Então chegamos à Gordes, muito curiosos sobre o que encontraríamos.


Pequena rotatória na entrada da cidade
Adentramos à extraordinária vida de sossego da Provence. E tudo por lá se situa na linha tênue das sensações: o aroma, o bucolismo saudosista, a sonoridade sutil de seus passantes, a paisagem outrora abstrata mas que então podia ser tocada, a abstração do que se vê, e tudo que não se pode ver, mas se fantasia. A imaginação então flui melhor do que as palavras, mesmo que nem se arraste o francês.


Romatismo da Provence
Só um pouco do que a Provence oferece
E a imaginação inevitavelmente nos ganha. Depende de nós o modo como se absorve os desenhos das construções perfeitamente encaixadas entre si, a vegetação brotando de suas junções, as feiras coloridas, o frescor de seus alimentos, a vida que acontece aqui fora. Há uma cor sutil saltando de suas janelas de tons lilás e das floreiras que as acompanham, para enfeitar a alvura das pedras das construções do vilarejo. Há hortas, mel, ervas da Provence, cheiro de lavanda por toda a parte e sabor de infância em muitos de seus detalhes.
     Até nos perguntamos a razão pela qual não temos os mesmos hábitos, pois afinal, os franceses fabricam os produtos que vão à sua mesa com muito cuidado. Há receitas seculares e fórmulas de fazer as coisas que perduram por gerações. As estações do ano determinam o tempo de colher e de plantar. Está presente a sutileza de quem vai preparar com graça e arte o melhor da vida. Provar os sabores da Provence é o grande barato da viagem.
Ruas estreitas e charmosas de Gordes
      O vilarejo deve ser explorado a pé. É só se perdendo que se pode encontrar a verdadeira razão de estar em Gordes. O momento é seu. Viver um dia na Provence. E não apenas passar como um turista qualquer.
Mas é preciso estar com os olhos atentos aos detalhes. Não há pressa naquelas plagas. A dimensão do tempo, ali, não encontra referências no tempo que passa através de nossas janelas.
Você não vai querer partir. E vai ficar em uma grande incerteza se quer alcançar logo outra cidade para ver mais e mais, ou se vai querer que o tempo não ande para que Gordes não seja de novo uma imagem perdida na montanha, que se desenha em suas lembranças, mas que lentamente vai se tornar fosca com os passar dos anos. Tal qual uma lembrança impressionista sem traços nítidos demarcados...
Sutileza de cores 

Bistrôs provençais
          Os encantos de Gordes estão escondidos em suas ruas estreitas pavimentadas em pedras. Há lojinhas, flores, pequenos bistrôs, vida por toda a parte. Seu patrimônio advém desde a época dos assentamentos romanos na região. Pode-se deparar com a Igreja de origem romana, e com o Castelo Renascentista, que se escondem na paisagem de cores iguais. Mas não é de se espantar se não percebê-los de súbito, como se perceberia essas construções em outro local. Tudo está nivelado pela intuição que nos invade de percorrer seus labirintos medievais, e não pela corrida maluca por monumentos. 
Castelo em meio ao desenho de Gordes
Beleza medieval
Igreja
            Gordes teve grande reputação no passado pela tecelagem, pela arte de trabalhar a lã. Mas hoje, é da fama de um dos vilarejos mais bonitos da França que sobrevive.

Os encantos de Gordes

             Ao seu redor, como moldura mutante, há girassóis e trigos, ciprestes e oliveiras. Mais do que isso, os vinhedos se desenvolvem, as uvas amadurecem ao clima suave do Mediterrâneo e as lavandas florescem, principalmente entre os meses de junho e agosto. Ondas púrpuras a perder de vista se alongam às margens do caminho, dançando no ritmo do vento. Para vê-las, depois de algum tempo percorrendo as ruas de Gordes, era necessário ganhar outros campos da Provence, outros vilarejos, novas sinuosidades. Deixá-la não foi tarefa fácil para os sentidos, apesar das placas que apontavam a saída. Mas deveríamos ir para um encontro com a Abadie de Senánque, em suas redondezas.


Saída de Gordes
        Ao longe, novamente na curva oblíqua dos caminhos que me levaram até ela, conseguimos um local para estacionar o carro e contemplá-la por mais tempo do que pudemos em nossa chegada. Como se reter aquela imagem dependesse dos instantes que a absorveríamos. Quanto mais, melhor.


Despedida do vilarejo
          Fora dos Museus de Paris, Gordes será uma obra intensa em minha lembrança, delicadamente construída sob um olhar impressionado. Foi com o âmago que captei aqueles instantes, concernentes aos ângulos e à iluminação com que a enxerguei. E estava tão florida, tão clara e precisa! Sem contrastes com a minha alma, em sintonia profunda. Tratarei de mantê-la, nos anos que nos distanciarão, delicadamente protegida das camadas de poeiras e obscuridades que se acumulam sobre nosso passado.
Gordes será o quadro mais lindo que jamais colocarei em minha paredes externas. É um segredo bem guardado, pois mesmo que revelado, só a podem sentir aqueles que deram um passo adiante e adentraram em suas intensas entranhas e o tornaram realidade.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

CURAÇAO E O AZUL QUE CORRÓI MINHAS LEMBRANÇAS

Uma das maravilhas de sobrevoar Curaçao é a vista impactante que se pode ter da cor de suas águas desde lá do alto. Um campo de força azul turquesa demarca o território de suas férias, como se isolasse a ilha do mundo, que continua seu curso lá fora. As águas calmas e cristalinas ditam o ritmo de seus próximos dias no Caribe e mantêm a ilha nitidamente apartada da escuridão das águas profundas. Um distanciamento que cai bem para quem apenas precisa de uns dias no paraíso.
Quando se toca o solo, vê-se que o azul dá o tom, mas o colorido de Curaçao está espalhado por toda a ilha. Os detalhes se revelam nas cores caribenhas e contornos de sua arquitetura, visivelmente herdada dos traços holandeses. Mas ao final da viagem, serão mesmo as suas águas azuis turquesas, contrastadas com uma mudança abrupta de tonalidade quando se distanciam da costa, que corroerão seus pensamentos saudosistas, assim como corroeram seu entorno rochoso, por anos a fio.


Willemstad - Punda
Sei disso. Há muitos anos Curaçao fez parte de minha primeira e tão sonhada viagem internacional. Na época, eu estava aflorando para a vida. Depois de construir e lapidar meu futuro, o desejo de ver a ilha por outro ângulo estava ainda em meus planos.
Deu certo. Chinelo nos pés, nada para fazer e muito com o que se maravilhar. Deveriam ser: dias sem planos, caminhos sem rumos e pensamentos soltos. E assim se fez.
Blue Bay Beach
Havia espaços, detalhes, surpresas a desbravar delicadamente, fosse através das praias mais distantes do lado Oeste da Ilha (as mais belas) ou apenas através de suas casas de muitas cores na capital Willemstad, que ainda reluzem quando golpeadas pelo sol. As matizes dos meus tempos de agora me deram um olhar mais maduro sobre tudo.
Inclusive sobre sua história. Descoberta pelos espanhóis em suas explorações do Novo Mundo no ano anterior ao descobrimento do Brasil – 1499 – a ilha foi frequentada também por portugueses e holandeses. Os ibéricos não viram vantagens por não encontrarem nela ouro para suas pretensões, e não se alongaram mais do que eu me alongaria em uma daquelas praias... 
Os portugueses foram os responsáveis pelo sugestivo nome da ilha. Ilha da Curaçao era onde se praticava a cura do enfermos escravos africanos, acometidos por escorbuto, que nela eram tratados com doses de vitamina C, obtida pela laranja que ainda hoje é a essência de seu famoso Licor: O Curaçao Blue. Desde que a Companhia das Índias Ocidentais a reclamou como sua, em 1634, a difícil pronúncia pelos holandeses fez com que o nome tomasse a sonoridade atual. Se isso é lenda apenas ou verdade, não sei. Mas soa como um detalhe interessante.

Fábrica do Curaçao Blue


Curaçao Blue
De suas fazendas conhecidas como plantations de cana de açúcar, não há tantos vestígios. Quem conhece a história, ao transitar por suas estradas bem conservadas, vai tentar imaginar onde e como foi que as Antilhas Holandesas (Aruba, Bonaire e Saint Maarten fazem parte deste rol) conseguiram dominar o comércio e derrocar o domínio do Brasil. Há muitas fazendas para se visitar, assim como na Ilha há muitos Museus que contam as histórias dos ancestrais que nela viviam antes de toda essa parafernália – os índios Arawaki. O domínio holandês do tráfico de escravos africanos deixou um rico legado cultural e linguístico para a ilha. Em Curaçao, assim como em sua vizinha Aruba, fala-se inglês, espanhol, holandês e papiamento: uma mistura do espanhol, com o holandês, dialetos africanos e o português.
Mas o domínio holandês ainda está presente em suas ruas e praias. Talvez ainda a sintam sua e estão à vontade com isso. Uma filial tropical de seu país. Curaçao se tornou um país autônomo desde 2010, mas mantém seus laços estreitos, pois mesmo autônomo, ainda pertence ao Reino dos Países Baixos.
A aridez da ilha, enfeitada pelas iguanas que atravessam despretensiosamente seus asfaltos bem construídos e escaldantes, dariam o tom do deserto. Não fosse pela certeza de que se está no Caribe, o seu azul seria apenas uma miragem.


Caminhos áridos de Curaçao
O ritmo caribenho, a alegria das pessoas e a busca pelas praias de cores espetaculares, fazem-nos saber o tempo todo que Curaçao tem muito de todo o Caribe, mas como toda ilha, está repleta de particularidades. Uma delas é que seu litoral, apesar de suas proporções, não é feito de muitas praias. Suas encostas rochosas são mais evidentes. Por isso mesmo, há algo diferente em Curaçao: a existência de praias particulares (praias de Hotéis ou não, como a de Blue Bay) e praias que tiveram que ser parcialmente construídas por mãos humanas, com areias trazidas de fora. No fim das contas, ficaram boas também. E valem ser conhecidas, mas o melhor de Curaçao está no que a natureza já havia se incumbido de fazer. Aliás, é imperativo que se esteja de carro na ilha para que tudo seja explorado da melhor maneira possível. 
      A ilha é dividida entre a sua porção leste, bem habitada e com pinta de bem organizada, e a porção oeste, onde as belezas naturais se evidenciam significativamente. Circula-se facilmente pela Capital Willemstad, pois há facilidade de estacionamento para que se explore o seu Centro charmoso, conhecido por Punda. A região é muito fotogênica, estampando os cartões postais de Curaçao. Por ali, há muitas lojas e a área é de livre comércio. E não se pode deixar de conhecer Waterfront, com ótima culinária.

Willemstad - Punda


Waterfront - restaurante
As pontes que ligam um e outro lado de Curaçao são também intrigantes. Uma delas, a Queen Juliana, ergue-se imponente no Porto principal (St Anna’s Bay) e presenteia os turistas com uma vista magnífica lá do alto, dos ângulos de Punda, Otrobanda e Schottegat. A outra é a “Ponte de Pinguela Rainha Emma”, onde os pedestres podem atravessar tranquilamente, no nível do mar, até que soe um apito indicando que a ponte irá se abrir para que alguma embarcação passe. Os caminhos se fecham, quem está em cima espera, e quem está de fora acha uma maravilha esperar, fotografar e filmar.


Ponte sobre barcos

Vista da ponta, entre Otrobanda e Punda
Do lado melhor habitado se encontram a famosa praia do Seaquarium, a praia de Jean Thiel, e outras montadinhas para os turistas aproveitarem o melhor do mar azul. Mas o oeste da ilha, ou seja, o lado oposto, foi o que mais nos encantou. Explorar Curaçao é uma experiência incrível, dessas que renovam qualquer amor, que ajudam a curar feridas e que te recompõem.
Praias montadas do Seaquarium

Linda vista

Seaquarium
Anda-se um bom trecho para se chegar às melhores praias. Quanto mais se distancia do centro, os caminhos vão ficando mais desertos. Atingir praias como Kennepa Gandi é uma expectativa muito bem correspondida.


Kennepa Gandi vista do mirante
O visual de seu mirante e o vislumbre de sua simplicidade, lá do alto, prometem muito, mas menos do que de fato se consegue quando se passa o dia nela. Esta, que é a praia pública mais linda da ilha, faz com que se experimente sensações diferentes ao longo do dia, assim como quem acompanha as mudanças do sol ao longo das horas. Doar nosso tempo para prestar atenção a esses detalhes só é possível quando a dimensão do tempo perde o sentido e se torna um detalhe divagando como barquinho na imensidão do oceano.


Kennepa Gandi

Águas florescentes de Kennepa Gandi

Fim de tarde do mirante
A paisagem e a cor da água em Cas Abou, uma outra praia arrebatadora com sua pedra que parece flutuar sobre as águas, convencem que Curaçao é algo bem próximo do paraíso particular que se ousou buscar ao sair de casa. Aliás, Cas Abou é uma praia pela qual se paga para entrar (mas é bem baratinho), assim como Porto Marie. Essa, menos selvagem, mas muito bela também, convence que o mar do Caribe é absolutamente necessário, dentro de sua trivialidade, para as almas cansadas, nem que seja uma vez na vida.


Cas Abou

Tons diferentes de Curaçao

Águas muito claras

A pedra de Cas Abou
    Curaçao me arrebatou. Passar o dia alisando o mar azul, entregando-se a ele sem coragem de sair da água, maravilhando-me com a cor fluorescente e a luminosidade que o sol lhe dava, não me cansou nenhuma vez. Era como estar ali para experimentar de volta a vida da qual eu havia me distanciado. Canto de pássaros, nenhum som invasivo de balbúrdia na praia, apenas muita discrição e a água acalmando todos os meus sentidos. Curaçao deve mesmo ter sido feita para amansar os corações escravizados em suas rotinas. Particularmente, o seu real significado. 


Porto Marie

Porto Marie e seus tons de azul

Porto Marie
O azul vai por muito tempo ainda lamber os meus pés cansados. O azul que apascenta nossos dias e deixa tudo em nosso mundo também mais azul. Adormecer aos som dos pássaros que revoam minhas lembranças, ainda estendida na areia, não será impossível quando eu fechar os olhos em qualquer lugar que esteja.
Não tenho uma razão para gostar tanto de Curaçao, mas várias. A imagem do Caribe ficando para trás, com sua redoma azul com a qual me protegi ao longo de uma semana, não foi tão fácil de encarar quanto em nossa chegada. Dizer adeus é um processo diário e necessário. Chegar e partir. O que me consola é que saí com a sensação de ter lavado a alma com a água mais turquesa que o Caribe já me presenteou. Pelo menos naquele momento, com a sede que eu estava de viver daquele jeito...

terça-feira, 27 de agosto de 2013

PROVENCE, PURA POESIA FRANCESA

      Se há um lugar em que se passou como se atravessa um sonho, em que se transitou como se o amanhã fosse mais distante, em que os versos tomaram forma, este lugar se chama Provence. Até no nome, prolonga-se o sotaque francês para que a palavra não se dissolva assim como se dissolvem os sonhos. Ainda assim, por mais que eu tente, este lugar permanece indescritível e intacto para mim.

Janela na cidadezinha de Gordes

O romantismo da Provence

Muita lavanda
      Não se delimita a Provence com exatidão em medidas geográficas. É uma denominação para um antigo condado que hoje corresponde a uma grande parte administrativa da França. A verdadeira Provence delimita-se, outrossim, por sua atmosfera única e impossível de não ser reconhecida tão logo se pisa nela. Ela se desenha no sudeste da França, nas cercanias do Vale do Rio Ródano, até a margem do Rio Var. Prolongando-se até Nice, na Riviera Francesa, dá-se ao luxo de ser banhada pelas águas do Mediterrâneo e timidamente também chegar aos pés dos Alpes. O meses entre Junho e Agosto são uma boa época para ver os campos floridos.
     Mais importante do que saber a sua localização é entender que a Provence é uma parte da França em que os tempos medievais, enfeitados pelos campos de lavandas, pelo aroma no ar impregnado em nossas entranhas, juntam-se ao ruralismo bucólico, à frescura das frutas recém colhidas, à brandura das manhãs com vento. As ervas e a chamativa culinária da região desafiam nosso paladar e tudo o que sabíamos sobre viver bem.
    O nude e o opaco dos vilarejos são o fundo ideal para o colorido que se apresenta em seus extras. São a harmonia bruta e total, folha em branco para o rascunho que o homem e a natureza lapidaram em suas curvas. Invasores romanos e bárbaros deram forma à arquitetura da região. E parece que o tempo na Provence acontece ainda em outra dimensão.

Provence - Gordes

Delícias da Provence
       Tarefa difícil essa de tentar descrever o impossível. 
      Pegar o carro e serpentear pelas estradas encolhidas entre as muitas cidadezinhas e seus vilarejos não chega a ser uma aventura. Torna-se, por delicadeza, uma das coisas mais sutis que se pode fazer na vida. Sem exageros. Pode-se escolher por onde se embrenhar sem se arrepender do que ficou para trás. Já se estará ocupado o suficiente com tanta beleza em todos os lados do caminho. Por mais parecidas que sejam umas às outras, cada cidade representa uma experiência única. São cerca de 84 delas brincando de se esconder no pedaço de chão a se desbravar. Há muito o que se fazer na Provence, dependendo da sua localização. Mas nada se compara a se perder por ela.

Caminhos da Provence
       Trafegando desde Avignon, tínhamos muitos caminhos a seguir. Mas o que escolhemos nos levou a um rumo de êxtase e felicidade. Logo no início do trajeto, a Provence já se anunciava. Passamos por feiras às margens do percurso, até alcançarmos o Museu da Lavanda, pequenininho, mas interessante. E cheio desses mimos floridos feitos de lavanda, que entorpecem de imediato pela sutileza com que são feitos.

Mimos feitos de lavanda
     Chegando a Gordes, uma cidadezinha murada minúscula esculpida na montanha, foi que vi o quanto eu havia sido generosa com o roteiro da viagem. Gordes seria quase uma miragem, se eu não tivesse entrado nela e desfrutado de suas delícias provençais.

Linda vista de Gordes
        Há momentos em que se pensa que não se chegará a destino algum, nem se encontrará o caminho de volta. Mas estamos em tempos de GPS. Uma pena! Isso, de fato não seria um problema àquela altura. As cidades e seus adjetivos, todo o trajeto, o cultivo das uvas que dariam corpo ao próximo vinho, os girassóis... tudo, tudo é tão charmoso que chegar é um mero detalhe. A Provence vive da delicadeza do tempo que demora.
          O ponto alto foi a Abadie de Senánque, cerca de 6km de Gordes. No meio do nada, em estradas estreitas, avista-se ao longe os campos de lavanda desfilando e dançando ao som do vento. O perfume e a variação de luz na imensidão púrpura são sensações que extrapolam os sentidos. É poesia que não cabe em rimas. Literatura provençal dos meus tempos de agora.

Campos de lavanda em Abadie de Senánque

Abadie de Senánque

Lavandas
        Cidades como Bonnieux, Lourmarin, Coucuron foram surpresas que nos demos ao longo da estrada. Para além dos caminhos que se atravessa, o bom da Provence é se deixar ficar. Não ter mesmo rumo, nem pressa. É viver um dia como se fosse uma vida. É não querer ver o tempo passar. De fato, ele não parece ter passado por lá.

Lourmarin

Lourmarin

Cucuron
          Os campos de lavanda não são mais apenas brumas espessas em meus sonhos de antigamente. São parte da minha história. São sonhos que eu pude tocar. Chegar a Aix-en-Provence, tendo percorrido cerca de 110Km, foi como fazer o caminho inverso de quando queremos alcançar logo o destino. Não queríamos, simplesmente, que a estrada corresse. Desdenhar o que ficou para trás não cabe mais como antigamente. O que cabe é uma outra forma de interpretação.
        Ter visto as luzes da Provence se desfazendo enquanto a estrada passava voraz aos nossos olhos atônitos foi o que me comoveu. Foi como acordar aos poucos sem querer ter acordado. Foi como reter para além do entendimento o que vivi. Um dia como nenhum outro. E eu, que desejei viver um momento que fosse naquele lugar...
     Quem disse que os momentos passam, estava errado. Aqueles momentos na Provence jamais passarão. A dimensão e a largura do tempo por quem ali trafegou são outras. A estrada que percorri não terminou dentro de mim. Ela se prolonga para que eu não me esqueça que os sonhos também podem ter cheiro de lavanda. E os poemas, mais doçura quando vividos tão de perto.