terça-feira, 27 de agosto de 2013

PROVENCE, PURA POESIA FRANCESA

      Se há um lugar em que se passou como se atravessa um sonho, em que se transitou como se o amanhã fosse mais distante, em que os versos tomaram forma, este lugar se chama Provence. Até no nome, prolonga-se o sotaque francês para que a palavra não se dissolva assim como se dissolvem os sonhos. Ainda assim, por mais que eu tente, este lugar permanece indescritível e intacto para mim.

Janela na cidadezinha de Gordes

O romantismo da Provence

Muita lavanda
      Não se delimita a Provence com exatidão em medidas geográficas. É uma denominação para um antigo condado que hoje corresponde a uma grande parte administrativa da França. A verdadeira Provence delimita-se, outrossim, por sua atmosfera única e impossível de não ser reconhecida tão logo se pisa nela. Ela se desenha no sudeste da França, nas cercanias do Vale do Rio Ródano, até a margem do Rio Var. Prolongando-se até Nice, na Riviera Francesa, dá-se ao luxo de ser banhada pelas águas do Mediterrâneo e timidamente também chegar aos pés dos Alpes. O meses entre Junho e Agosto são uma boa época para ver os campos floridos.
     Mais importante do que saber a sua localização é entender que a Provence é uma parte da França em que os tempos medievais, enfeitados pelos campos de lavandas, pelo aroma no ar impregnado em nossas entranhas, juntam-se ao ruralismo bucólico, à frescura das frutas recém colhidas, à brandura das manhãs com vento. As ervas e a chamativa culinária da região desafiam nosso paladar e tudo o que sabíamos sobre viver bem.
    O nude e o opaco dos vilarejos são o fundo ideal para o colorido que se apresenta em seus extras. São a harmonia bruta e total, folha em branco para o rascunho que o homem e a natureza lapidaram em suas curvas. Invasores romanos e bárbaros deram forma à arquitetura da região. E parece que o tempo na Provence acontece ainda em outra dimensão.

Provence - Gordes

Delícias da Provence
       Tarefa difícil essa de tentar descrever o impossível. 
      Pegar o carro e serpentear pelas estradas encolhidas entre as muitas cidadezinhas e seus vilarejos não chega a ser uma aventura. Torna-se, por delicadeza, uma das coisas mais sutis que se pode fazer na vida. Sem exageros. Pode-se escolher por onde se embrenhar sem se arrepender do que ficou para trás. Já se estará ocupado o suficiente com tanta beleza em todos os lados do caminho. Por mais parecidas que sejam umas às outras, cada cidade representa uma experiência única. São cerca de 84 delas brincando de se esconder no pedaço de chão a se desbravar. Há muito o que se fazer na Provence, dependendo da sua localização. Mas nada se compara a se perder por ela.

Caminhos da Provence
       Trafegando desde Avignon, tínhamos muitos caminhos a seguir. Mas o que escolhemos nos levou a um rumo de êxtase e felicidade. Logo no início do trajeto, a Provence já se anunciava. Passamos por feiras às margens do percurso, até alcançarmos o Museu da Lavanda, pequenininho, mas interessante. E cheio desses mimos floridos feitos de lavanda, que entorpecem de imediato pela sutileza com que são feitos.

Mimos feitos de lavanda
     Chegando a Gordes, uma cidadezinha murada minúscula esculpida na montanha, foi que vi o quanto eu havia sido generosa com o roteiro da viagem. Gordes seria quase uma miragem, se eu não tivesse entrado nela e desfrutado de suas delícias provençais.

Linda vista de Gordes
        Há momentos em que se pensa que não se chegará a destino algum, nem se encontrará o caminho de volta. Mas estamos em tempos de GPS. Uma pena! Isso, de fato não seria um problema àquela altura. As cidades e seus adjetivos, todo o trajeto, o cultivo das uvas que dariam corpo ao próximo vinho, os girassóis... tudo, tudo é tão charmoso que chegar é um mero detalhe. A Provence vive da delicadeza do tempo que demora.
          O ponto alto foi a Abadie de Senánque, cerca de 6km de Gordes. No meio do nada, em estradas estreitas, avista-se ao longe os campos de lavanda desfilando e dançando ao som do vento. O perfume e a variação de luz na imensidão púrpura são sensações que extrapolam os sentidos. É poesia que não cabe em rimas. Literatura provençal dos meus tempos de agora.

Campos de lavanda em Abadie de Senánque

Abadie de Senánque

Lavandas
        Cidades como Bonnieux, Lourmarin, Coucuron foram surpresas que nos demos ao longo da estrada. Para além dos caminhos que se atravessa, o bom da Provence é se deixar ficar. Não ter mesmo rumo, nem pressa. É viver um dia como se fosse uma vida. É não querer ver o tempo passar. De fato, ele não parece ter passado por lá.

Lourmarin

Lourmarin

Cucuron
          Os campos de lavanda não são mais apenas brumas espessas em meus sonhos de antigamente. São parte da minha história. São sonhos que eu pude tocar. Chegar a Aix-en-Provence, tendo percorrido cerca de 110Km, foi como fazer o caminho inverso de quando queremos alcançar logo o destino. Não queríamos, simplesmente, que a estrada corresse. Desdenhar o que ficou para trás não cabe mais como antigamente. O que cabe é uma outra forma de interpretação.
        Ter visto as luzes da Provence se desfazendo enquanto a estrada passava voraz aos nossos olhos atônitos foi o que me comoveu. Foi como acordar aos poucos sem querer ter acordado. Foi como reter para além do entendimento o que vivi. Um dia como nenhum outro. E eu, que desejei viver um momento que fosse naquele lugar...
     Quem disse que os momentos passam, estava errado. Aqueles momentos na Provence jamais passarão. A dimensão e a largura do tempo por quem ali trafegou são outras. A estrada que percorri não terminou dentro de mim. Ela se prolonga para que eu não me esqueça que os sonhos também podem ter cheiro de lavanda. E os poemas, mais doçura quando vividos tão de perto.

2 comentários:

  1. Como já disse, seu relato sobre os lugares visitados é o melhor já lido por mim desde que leio blogs de viagem. É impressionante, dá vontade de estar lá. Márcia, você ainda tem seu roteiro? Poderia enviá-lo prá mim por gentileza? Estou indo em agosto e gostaria de batê-lo com o meu.Desde já agradeço.
    Meu e-mail é nival_correa@ig.com.br

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    1. Oi, Nival
      Que maravilha! É maravilhoso poder ler isso. Não tem presente melhor para quem escreve.
      Mandarei o roteiro para o seu e-mail.
      E desde já, desejo que você se perca pela Provence e encontre o melhor que há nela.
      Abraços e boa viagem!

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