Em
busca dos campos de lavanda, pusemos-nos na estrada. O caminho nos levaria até
eles, nas cercanias de um velho mosteiro. Isso já era o bastante para que uma
sensação de liberdade me invadisse. Pela rude simplicidade imposta aos monges
cistercienses ao longo da história, pude imaginar a austeridade do próximo
destino: Abadie de Senanque. Uma sobriedade adornada pela natureza.
Entre as curvas do Luberón
escarpado, no coração da Provence, o mosteiro é um refúgio escondido no vale
próximo a Gordes, cerca de 6Km que parecem infinitos de tão estreitos. Os
ciclistas do Tour de France parecem estar fazendo seu aquecimento por ali,
tantas são as bicicletas se aventurando pela região.
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Estrada para Senanque |
Por mais que se tenha lido a
respeito, o caminho até Senanque não deixa de ser uma apreensão deliciosa, pelo
fato de não se estar certo se será ou não possível avistar e tocar os famosos
campos de lavanda.
Do alto da estrada sinuosa, vagarosa
e minúscula, avista-se a tão desejada cena lilás. Um quadrante exuberante e
demarcado em meio ao verde que se agiganta. Senanque estava tão próxima dos
olhos, mas tão vulnerável aos nossos pensamentos quanto o silêncio ameaçado de
seus monges, habituados ao imediatismo dos turistas que se avolumam entre os
meses de verão.
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Campos de lavanda |
O contraste é o que justamente nos
aproxima de Senanque. A ordem cisterciense na Europa, com origens no século
XII, impôs estilo de vida, arte e arquitetura que rompiam com adornos e
rebuscamentos. Como seria possível uma vida sem floreios se os campos de
lavanda dominam e colorem seu entorno? Como, se as lavandas envolvem todos os
nossos sentidos?
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Abadia Cisterciense de Senanque |
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Campos de lavanda ao seu redor |
Eu
estava mais errada do que certa. A pobreza imposta ao estilo de vida dos
mosteiros nem de longe tiraria a riqueza de seu entorno, por mais que se tente
disfarçar. A falta de torres imponentes e a fachada não sobressalente da abadia
ficaram no imaginário de eras medievais. Por mais que tudo permaneça igual,
nada é como antigamente.
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Produtos da Provence |
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Produtos de lavanda |
Fundada
em 1148, a abadia ainda permanece em funcionamento e visitas guiadas são
organizadas para que seus claustros sejam percorridos. No exterior, o maior
contato que se estabelece com alguém de lá acontece na lojinha que vende
artigos feitos de lavanda e demais maravilhas provençais. As pedras ocres
situam-se na transição entre o estilo românico e o início do gótico. Seus
muros, típicos de mosteiros desta ordem religiosa, são uma referência a
Jerusalém Celestial descrita no Apocalipse. Mas, pelo que se abstrai, o
isolamento e a clausura dos monges estão mais longe das suas pretensões e mais
próximos da balbúrdia de turistas curiosos. De fato, é o contraste que nos
move.
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Outros ângulos de Senanque |
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Lavandas |
Mas o
que nos arrebata em Senanque não é sua história nem sua arte, que remontam às
origens e disseminação dos cistercienses pelo mundo. Sobre isso, poucos que
passam por lá sabem e talvez nem queiram compreender. O que arrebata em
Senanque é a sua pintura, vista assim, à primeira vista: o contraste do nude
com os campos de lavanda arroxeados, em fileiras retilíneas, dançando ao som do
vento.
Sua
música em meio ao silêncio, sua sutileza entre os dedos, o seu perfume
impregnando um aroma inolvidável em nossas narinas, são as chaves irresistíveis
de uma viagem que nos faz querer mergulhar na imensidão lilás e ficar sempre um
pouco mais... Andar entre as trilhas, por entre os espaços vagos lado a lado
das carreiras coloridas de lavanda, é uma aventura delicada: a síntese de se
estar na Provence.
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Lavandas |
Nada disso faz-nos ater para o fato de que somente na Provence se tem a lavanda
pura e verdadeira, ou que todas as outras formas que podemos encontrar por aí
são “lavandin”. Somente na Provence se tem a combinação perfeita para que a
verdadeira lavanda se desenvolva. Embora estejamos à sua busca, olhar os mares impressionantes
de arbustos equidistantes bastam para uma vida, muito mais do que qualquer
informação que possa preencher nossas lacunas.
Sua
púrpura delicadeza enche de ambivalência a atmosfera. Naquele ponto da viagem pude
captar a essência e a distância entre uma vida rotineira e enclausurada em suas
próprias concepções de mundo, e a vida dos que chegam, sentam, ficam, passam...
e fotografam, fotografam... carregando depois um ramo cheiroso como troféu na
volta de suas férias. Florir a vida é o que vale.
Também
sinto, muitas vezes, os turistas como seres enclausurados, por que não?
Enclausurados em suas pequenas concepções e certezas que constroem com adornos,
sei lá de que cores, sobre qualquer lugar depois de uma passagem fugaz. Ou não.
Livres, talvez... Eu os sinto mais livres do que presos. Muito livres para
imaginar, viver, explorar qualquer canteiro, qualquer quintal, qualquer campo
maior de sonhos o ano inteiro, a vida inteira, não importa a estação.
Afinal, a vida acontece aqui fora. Com
ou sem perfume de lavanda.
O mosteiro ficou para trás, plantado
aos pés dos campos cor de púrpura, e retomamos a nossa estrada.
Oi, Marcia. Tudo bem? :)
ResponderExcluirSeu post foi selecionado para a #Viajosfera, do Viaje na Viagem.
Dá uma olhada em http://www.viajenaviagem.com
Até mais,
Natalie - Boia
Olá, Natalie
ExcluirMais uma vez, muito obrigada! É uma honra e uma grande alegria poder compartilhar esses momentos com vcs.
Abraços,
Essa é a viagem dos meus sonhos. Fui para Provence mas infelizmente na hora errada, as lavandas não estavam em flor. Um dia ainda volto lá. Muito legal o post e as fotos!
ResponderExcluirOlá, Livi
ExcluirObrigada! Realmente a Provence vale a viagem. Aliás, é uma lembrança para a vida toda! Eu também desejo um dia voltar...
Abraços,