Cruzando
os caminhos sensoriais da Provence foi que subitamente avistei a imagem que
havia chamado a minha atenção enquanto planejava o roteiro, ainda no Brasil.
Dentre suas rotas cênicas, havia muitas opções, mas a estarrecedora imagem de
Gordes foi contornando meus sentidos e me envolveu de tal forma que, esses
mesmos sentidos, haveriam de me levar até lá. Eu faria todos os caminhos para
alcançá-la. E foi ao fazer a curva da estrada sinuosa que nos levava às suas
proximidades que a vislumbrei esculpida na montanha.
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A imagem de Gordes vista das curvas da estrada |
Foi
como ver uma pintura emoldurada pelo romantismo da Provence, delicadamente
desenhada no Departamento Francês de Vaucluse, no maciço de Louberon
(integrando o Parque Natural Regional do Luberon). Um misto de opacidade com
traços finos de verde e pinceladas de céu claro. Particulares impressões de luz
e movimento sem nitidez demarcada. Um quadro dinâmico que havia estado estático
por meses em minha concepção de seus contornos. E tudo ganhou vida e forma ao ávido
mover de nossos passos. Foi quando vi que a realidade é mais interessante que
os sonhos, às vezes. Raríssimas vezes, mais intensa que a arte.
Gordes foi parecendo mais real à
medida que nos aproximávamos. Suas pedras brancas e secas posicionadas
despenhadeiro abaixo davam forma às casas sobrepostas, dando fôlego à ideia de
embrenhar-me em uma França rural. As estradas secundárias é que levam a uma
verdadeira experiência francesa. Bisbilhotar seu modo de vida íntimo e peculiar
seria quase invasivo, não fosse pela frequência com que os turistas se
habituaram a fazê-lo.
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Estrada que levava à Gordes e as casas de pedras secas |
A paisagem mudava de figura. As
peças mudavam de lugar. Paris já estava distante. Tão distante quanto o sonoro
TGV, o trem que nos conduziu até Avignon, mas que por ali não se aventura. Desde
Avignon, foram cerca de 40Km apenas. Estávamos na Região administrativa
Provence-Alpes-Côte-D’Azur. E eu nunca pude compreender de fato o que
classificaria tudo aquilo melhor do que as minhas impressões pessoais. O interior
da França em sua melhor escultura. Uma França que se desenhou de diferentes
formas, mas que naquela colina encontrou seu ápice em minha memória.
Seria ainda necessário lapidar o que
vimos. Desconstruir conceitos. Ganhar a nossa impressão de Provence e das
curvas do vilarejo. Então chegamos à Gordes, muito curiosos sobre o que
encontraríamos.
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Pequena rotatória na entrada da cidade |
Adentramos à extraordinária vida de
sossego da Provence. E tudo por lá se situa na linha tênue das sensações: o
aroma, o bucolismo saudosista, a sonoridade sutil de seus passantes, a paisagem
outrora abstrata mas que então podia ser tocada, a abstração do que se vê, e
tudo que não se pode ver, mas se fantasia. A imaginação então flui melhor do
que as palavras, mesmo que nem se arraste o francês.
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Romatismo da Provence |
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Só um pouco do que a Provence oferece |
E a imaginação inevitavelmente nos
ganha. Depende de nós o modo como se absorve os desenhos das construções
perfeitamente encaixadas entre si, a vegetação brotando de suas junções, as
feiras coloridas, o frescor de seus alimentos, a vida que acontece aqui fora. Há
uma cor sutil saltando de suas janelas de tons lilás e das floreiras que as
acompanham, para enfeitar a alvura das pedras das construções do vilarejo. Há hortas,
mel, ervas da Provence, cheiro de lavanda por toda a parte e sabor de infância
em muitos de seus detalhes.
Até nos perguntamos a razão pela qual
não temos os mesmos hábitos, pois afinal, os franceses fabricam os produtos que
vão à sua mesa com muito cuidado. Há receitas seculares e fórmulas de fazer as
coisas que perduram por gerações. As estações do ano determinam o tempo de
colher e de plantar. Está presente a sutileza de quem vai preparar com graça e
arte o melhor da vida. Provar os sabores da Provence é o grande barato da
viagem.
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Ruas estreitas e charmosas de Gordes |
O vilarejo deve ser explorado a pé.
É só se perdendo que se pode encontrar a verdadeira razão de estar em Gordes. O
momento é seu. Viver um dia na Provence. E não apenas passar como um turista
qualquer.
Mas é preciso estar com os olhos
atentos aos detalhes. Não há pressa naquelas plagas. A dimensão do tempo, ali,
não encontra referências no tempo que passa através de nossas janelas.
Você não vai querer partir. E vai
ficar em uma grande incerteza se quer alcançar logo outra cidade para ver mais
e mais, ou se vai querer que o tempo não ande para que Gordes não seja de novo
uma imagem perdida na montanha, que se desenha em suas lembranças, mas que
lentamente vai se tornar fosca com os passar dos anos. Tal qual uma lembrança impressionista
sem traços nítidos demarcados...
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Sutileza de cores |
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Bistrôs provençais |
Os encantos de Gordes estão
escondidos em suas ruas estreitas pavimentadas em pedras. Há lojinhas, flores,
pequenos bistrôs, vida por toda a parte. Seu patrimônio advém desde a época dos
assentamentos romanos na região. Pode-se deparar com a Igreja de origem romana,
e com o Castelo Renascentista, que se escondem na paisagem de cores iguais. Mas
não é de se espantar se não percebê-los de súbito, como se perceberia essas
construções em outro local. Tudo está nivelado pela intuição que nos invade de
percorrer seus labirintos medievais, e não pela corrida maluca por
monumentos.
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Castelo em meio ao desenho de Gordes |
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Beleza medieval |
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Igreja |
Gordes teve grande reputação no
passado pela tecelagem, pela arte de trabalhar a lã. Mas hoje, é da fama de um
dos vilarejos mais bonitos da França que sobrevive.
Os encantos de Gordes
Ao seu redor, como moldura mutante, há
girassóis e trigos, ciprestes e oliveiras. Mais do que isso, os vinhedos se
desenvolvem, as uvas amadurecem ao clima suave do Mediterrâneo e as lavandas
florescem, principalmente entre os meses de junho e agosto. Ondas púrpuras a
perder de vista se alongam às margens do caminho, dançando no ritmo do vento. Para
vê-las, depois de algum tempo percorrendo as ruas de Gordes, era necessário
ganhar outros campos da Provence, outros vilarejos, novas sinuosidades. Deixá-la
não foi tarefa fácil para os sentidos, apesar das placas que apontavam a saída.
Mas deveríamos ir para um encontro com a Abadie de Senánque, em suas
redondezas.
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Saída de Gordes |
Ao longe, novamente na curva oblíqua
dos caminhos que me levaram até ela, conseguimos um local para estacionar o
carro e contemplá-la por mais tempo do que pudemos em nossa chegada. Como se
reter aquela imagem dependesse dos instantes que a absorveríamos. Quanto mais,
melhor.
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Despedida do vilarejo |
Fora dos Museus de Paris, Gordes
será uma obra intensa em minha lembrança, delicadamente construída sob um olhar
impressionado. Foi com o âmago que captei aqueles instantes, concernentes aos
ângulos e à iluminação com que a enxerguei. E estava tão florida, tão clara e
precisa! Sem contrastes com a minha alma, em sintonia profunda. Tratarei de
mantê-la, nos anos que nos distanciarão, delicadamente protegida das camadas de
poeiras e obscuridades que se acumulam sobre nosso passado.
Gordes será o quadro mais lindo que
jamais colocarei em minha paredes externas. É um segredo bem guardado, pois
mesmo que revelado, só a podem sentir aqueles que deram um passo adiante e
adentraram em suas intensas entranhas e o tornaram realidade.
Oi, Márcia. Tudo bem? :)
ResponderExcluirSeu post foi selecionado para a #Viajosfera, do Viaje na Viagem.
Dá uma olhada em http://www.viajenaviagem.com
Até mais,
Natalie - Boia
Este comentário foi removido pelo autor.
ExcluirOlá, Natalie Mais uma vez, é um prazer poder contribuir! Grande abraço e até a próxima viagem!
ExcluirMárcia suas impressões de Gordes soam como um poema. Faz com que nossa vontade de visitar a cidade cresça exponencialmente. Estou indo prá lá em agosto.Não sei como não achei seu blog antes.É lindo.
ResponderExcluirNival Correa
Oi, Nival
ResponderExcluirFiquei muito honrada com o seu reconhecimento. É muito bom poder compartilhar nossas viagens com quem também gosta do assunto.
Quando sento aqui para escrever, desejo conseguir externar parte da emoção que vivenciei naquele lugar para, quem sabe, conseguir despertar também o interesse de outras pessoas sobre o mesmo lugar.
Fico feliz que isso tenha acontecido.
E obrigada mais uma vez!
Ola Marcia, adorei seu post. Tb estou escrevendo sobre as minhas memorias de gordes e gostaria de compartilhar uma de suas fotos com os devidos credtos e link para o seu post. Posso? Abs, Cynthia
ResponderExcluirOlá, Cynthia
ExcluirPrimeiramente, obrigada! Também estou ansiosa para ler o seu post, pois é muito bom compartilhar memórias com quem também conheceu o mesmo pedaço de chão. Sobre as fotos, pode sim publicá-las juntamente com o link do Passageiros a Bordo em seu blog, sem problemas. Avise-me quando estiver pronto.
Abraços,
Muito legal o seu post Marcia! Durante o meu curso de francês na França, eu tive também a oportunidade de conhecer este vilarejo fascinante que possui construções históricas impressionantes. Eu estava fazendo um curso de francês em Nice, quando me veio a idéia de conhecer um lugar mais rural pois já tinha conhecido Paris, então ns minhas buscas encontrei este local maravilhoso. Passei 2 dias neste viarejo e foi muito legal porque ainda pratiquei francês que eu estava aprendendo. Meu intercâmbio na França foi maravilhoso pois fiz um programa com curso de francês, hospedagem, alimentação e atividades de lazer incluídas. Eu estudei numa escola de francês em Paris chamada Sprachcaffe e foi bastante legal. Vale a pena conhecer estes lugares impressionantes. Deixo aqui a dica da escola de idiomas http://www.sprachcaffe.com/portuguese/study_abroad/language_schools/nice/main.htm
ResponderExcluirOlá, David
ExcluirDesculpe a demora... Eu estava... viajando (rsrs) e me desliguei um pouco. Enfim, obrigada pelos elogios ao post. E adorei a dica sobre o curso de francês. Certamente será útil para muita gente. Espero também daqui um tempo considerar esta hipótese.
Abraços,
Por sorte achei seu blog quando pesquisava sobre Gorges, que irei visitar no final de maio início de junho deste ano
ResponderExcluirVocê poderia me sugerir quantos dias devo ficar em Gorges para conhecê-la com calma, com vagar ? E quanto a Arles ?
Obrigada pela sua atenção.
Abraços
Maria Esther
Olá, Maria Esther
ExcluirPeço desculpas por só ter respondido agora - e sei que em termos de organização de viagem é tempo demais para dar tempo de algo...rs. Fiquei longe do blog por um longo período...
Enfim, se eu ainda puder ajudar, vamos lá: penso que Gordes pode ser tranquilamente feita em um só dia, inclusive fazendo no mesmo dia outras cidadezinhas da Provence.
Gordes em si é um muito pequena, mas depende muito do que você pretende para ditar o ritmo. Por exemplo, se a sua intenção é apenas passar e ter um vislumbre da Provence, fazendo mais destinos na mesma viagem, eu ficaria apenas um dia mesmo. Mas se a sua intenção é se aprofundar e viver o clima da Provence, eu ficaria um pouco mais.
Há feiras dos produtos locais nas redondezas, há a Abadie de Senanque (também no blog) em um local muito próximo dali, há cidadezinhas como Lourmarin, Cucuron, entre outras, que valem muito a pena.
Uma outra ideia é ficar em Aix-en-Provence como ponto base e se deslocar pelas redondezas, pois Aix é uma cidade mais ativa (e apaixonante!). Dá para explorar muito.
Não fui a Arles, por isso não tenho uma opinião própria a respeito. Mas toda a Provence é um sonho que deve ser vivido um dia na vida. Aproveite e boa viagem!
Desculpe o erro - o nome da cidade é Gordes
ResponderExcluirAbraços
Maria Esther