Uma das maravilhas de sobrevoar Curaçao
é a vista impactante que se pode ter da cor de suas águas desde lá do alto. Um
campo de força azul turquesa demarca o território de suas férias, como se isolasse
a ilha do mundo, que continua seu curso lá fora. As águas calmas e cristalinas
ditam o ritmo de seus próximos dias no Caribe e mantêm a ilha nitidamente
apartada da escuridão das águas profundas. Um distanciamento que cai bem para
quem apenas precisa de uns dias no paraíso.
Quando se toca o solo, vê-se que o
azul dá o tom, mas o colorido de Curaçao está espalhado por toda a ilha. Os
detalhes se revelam nas cores caribenhas e contornos de sua arquitetura,
visivelmente herdada dos traços holandeses. Mas ao final da viagem, serão mesmo
as suas águas azuis turquesas, contrastadas com uma mudança abrupta de tonalidade
quando se distanciam da costa, que corroerão seus pensamentos saudosistas,
assim como corroeram seu entorno rochoso, por anos a fio.
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Willemstad - Punda |
Sei disso. Há muitos anos Curaçao fez
parte de minha primeira e tão sonhada viagem internacional. Na época, eu estava aflorando para a vida. Depois de construir e lapidar meu
futuro, o desejo de ver a ilha por outro ângulo estava ainda em meus planos.
Deu certo. Chinelo nos pés, nada para
fazer e muito com o que se maravilhar. Deveriam ser: dias sem planos,
caminhos sem rumos e pensamentos soltos. E assim se fez.
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Blue Bay Beach |
Havia espaços, detalhes, surpresas a
desbravar delicadamente, fosse através das praias mais distantes do lado Oeste
da Ilha (as mais belas) ou apenas através de suas casas de muitas cores na
capital Willemstad, que ainda reluzem quando golpeadas pelo sol. As matizes dos
meus tempos de agora me deram um olhar mais maduro sobre tudo.
Inclusive sobre sua história. Descoberta
pelos espanhóis em suas explorações do Novo Mundo no ano anterior ao
descobrimento do Brasil – 1499 – a ilha foi frequentada também por portugueses
e holandeses. Os ibéricos não viram vantagens por não encontrarem nela ouro
para suas pretensões, e não se alongaram mais do que eu me alongaria em uma
daquelas praias...
Os portugueses foram os responsáveis
pelo sugestivo nome da ilha. Ilha da Curaçao era onde se praticava a cura do
enfermos escravos africanos, acometidos por escorbuto, que nela eram tratados
com doses de vitamina C, obtida pela laranja que ainda hoje é a essência de seu
famoso Licor: O Curaçao Blue. Desde que a Companhia das Índias Ocidentais a
reclamou como sua, em 1634, a difícil pronúncia pelos holandeses fez com que o
nome tomasse a sonoridade atual. Se isso é lenda apenas ou verdade, não sei.
Mas soa como um detalhe interessante.
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Fábrica do Curaçao Blue |
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Curaçao Blue |
De suas fazendas conhecidas como plantations de cana de açúcar, não há
tantos vestígios. Quem conhece a história, ao transitar por suas estradas bem
conservadas, vai tentar imaginar onde e como foi que as Antilhas Holandesas
(Aruba, Bonaire e Saint Maarten fazem parte deste rol) conseguiram dominar o
comércio e derrocar o domínio do Brasil. Há muitas fazendas para se visitar,
assim como na Ilha há muitos Museus que contam as histórias dos ancestrais que
nela viviam antes de toda essa parafernália – os índios Arawaki. O domínio
holandês do tráfico de escravos africanos deixou um rico legado cultural e
linguístico para a ilha. Em Curaçao, assim como em sua vizinha Aruba, fala-se
inglês, espanhol, holandês e papiamento: uma mistura do espanhol, com o
holandês, dialetos africanos e o português.
Mas o domínio holandês ainda está
presente em suas ruas e praias. Talvez ainda a sintam sua e estão à vontade com
isso. Uma filial tropical de seu país. Curaçao se tornou um país autônomo desde
2010, mas mantém seus laços estreitos, pois mesmo autônomo, ainda pertence ao
Reino dos Países Baixos.
A aridez da ilha, enfeitada pelas
iguanas que atravessam despretensiosamente seus asfaltos bem construídos e
escaldantes, dariam o tom do deserto. Não fosse pela certeza de que se está no
Caribe, o seu azul seria apenas uma miragem.
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Caminhos áridos de Curaçao |
O ritmo caribenho, a alegria das
pessoas e a busca pelas praias de cores espetaculares, fazem-nos saber o tempo
todo que Curaçao tem muito de todo o Caribe, mas como toda ilha, está repleta
de particularidades. Uma delas é que seu litoral, apesar de suas proporções,
não é feito de muitas praias. Suas encostas rochosas são mais evidentes. Por
isso mesmo, há algo diferente em Curaçao: a existência de praias particulares
(praias de Hotéis ou não, como a de Blue Bay) e praias que tiveram que ser parcialmente
construídas por mãos humanas, com areias trazidas de fora. No fim das contas,
ficaram boas também. E valem ser conhecidas, mas o melhor de Curaçao está no
que a natureza já havia se incumbido de fazer. Aliás, é imperativo que se
esteja de carro na ilha para que tudo seja explorado da melhor maneira
possível.
A ilha é dividida entre a sua porção leste,
bem habitada e com pinta de bem organizada, e a porção oeste, onde as belezas
naturais se evidenciam significativamente. Circula-se facilmente pela Capital
Willemstad, pois há facilidade de estacionamento para que se explore o seu
Centro charmoso, conhecido por Punda. A região é muito fotogênica, estampando
os cartões postais de Curaçao. Por ali, há muitas lojas e a área é de livre
comércio. E não se pode deixar de conhecer Waterfront, com ótima culinária.
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Willemstad - Punda |
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Waterfront - restaurante |
As pontes que ligam um e outro lado de
Curaçao são também intrigantes. Uma delas, a Queen Juliana, ergue-se imponente
no Porto principal (St Anna’s Bay) e presenteia os turistas com uma vista
magnífica lá do alto, dos ângulos de Punda, Otrobanda e Schottegat. A outra é a
“Ponte de Pinguela Rainha Emma”, onde os pedestres podem atravessar
tranquilamente, no nível do mar, até que soe um apito indicando que a ponte irá
se abrir para que alguma embarcação passe. Os caminhos se fecham, quem está em
cima espera, e quem está de fora acha uma maravilha esperar, fotografar e
filmar.
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Ponte sobre barcos |
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Vista da ponta, entre Otrobanda e Punda |
Do lado melhor habitado se encontram a
famosa praia do Seaquarium, a praia de Jean Thiel, e outras montadinhas para os
turistas aproveitarem o melhor do mar azul. Mas o oeste da ilha, ou seja, o lado oposto, foi o que mais
nos encantou. Explorar Curaçao é uma experiência incrível, dessas
que renovam qualquer amor, que ajudam a curar feridas e que te recompõem.
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Praias montadas do Seaquarium |
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Linda vista |
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Seaquarium |
Anda-se um bom trecho para se chegar
às melhores praias. Quanto mais se distancia do centro, os caminhos
vão ficando mais desertos. Atingir praias como Kennepa Gandi é uma expectativa muito
bem correspondida.
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Kennepa Gandi vista do mirante |
O visual de seu
mirante e o vislumbre de sua simplicidade, lá do alto, prometem muito, mas menos
do que de fato se consegue quando se passa o dia nela. Esta, que é a praia
pública mais linda da ilha, faz com que se experimente sensações diferentes ao
longo do dia, assim como quem acompanha as mudanças do sol ao longo das horas. Doar nosso tempo para prestar atenção a esses detalhes só é
possível quando a dimensão do tempo perde o sentido e se torna um detalhe
divagando como barquinho na imensidão do oceano.
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Kennepa Gandi |
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Águas florescentes de Kennepa Gandi |
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Fim de tarde do mirante |
A paisagem e a cor da água em Cas
Abou, uma outra praia arrebatadora com sua pedra que parece flutuar sobre as águas,
convencem que Curaçao é algo bem próximo do paraíso particular que se ousou
buscar ao sair de casa. Aliás, Cas Abou é uma praia pela qual se paga para entrar (mas é bem baratinho), assim como Porto Marie. Essa, menos
selvagem, mas muito bela também, convence que o mar do Caribe é absolutamente
necessário, dentro de sua trivialidade, para as almas cansadas, nem que seja
uma vez na vida.
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Cas Abou |
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Tons diferentes de Curaçao |
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Águas muito claras |
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A pedra de Cas Abou |
Curaçao me arrebatou. Passar o dia
alisando o mar azul, entregando-se a ele sem coragem de sair da água,
maravilhando-me com a cor fluorescente e a luminosidade que o sol lhe dava, não
me cansou nenhuma vez. Era como estar ali para experimentar de volta a vida da qual eu
havia me distanciado. Canto de pássaros, nenhum som invasivo de balbúrdia na
praia, apenas muita discrição e a água acalmando todos os meus sentidos.
Curaçao deve mesmo ter sido feita para amansar os corações escravizados em suas
rotinas. Particularmente, o seu real significado.
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Porto Marie |
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Porto Marie e seus tons de azul |
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Porto Marie |
O azul vai por muito tempo ainda
lamber os meus pés cansados. O azul que apascenta nossos dias e deixa tudo em
nosso mundo também mais azul. Adormecer aos som dos pássaros que revoam minhas
lembranças, ainda estendida na areia, não será impossível quando eu fechar os
olhos em qualquer lugar que esteja.
Não tenho uma razão para gostar tanto
de Curaçao, mas várias. A imagem do Caribe ficando para trás, com sua redoma
azul com a qual me protegi ao longo de uma semana, não foi tão fácil de encarar
quanto em nossa chegada. Dizer adeus é um processo diário e necessário. Chegar
e partir. O que me consola é que saí com a sensação de ter lavado a alma com a
água mais turquesa que o Caribe já me presenteou. Pelo menos naquele momento,
com a sede que eu estava de viver daquele jeito...
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